Saúde mental é liberdade: a importância da luta antimanicomial no Brasil

Especialistas refletem sobre os avanços e desafios da reforma psiquiátrica no âmbito jurídico e psicológico
O Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio, marca um importante movimento social em defesa dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico. Mais do que uma data simbólica, o momento reforça a necessidade de um modelo de cuidado em saúde mental que seja humanizado, integrado à comunidade e livre de práticas opressoras e excludentes.
A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001) foi um marco para a garantia da dignidade de pessoas em sofrimento mental no Brasil. A legislação estabelece o direito ao tratamento adequado, com foco na reinserção social e na prioridade por atendimentos em serviços comunitários. “A partir da lei, o tratamento em serviços comunitários de saúde mental é priorizado em relação à internação em hospitais psiquiátricos, e as pessoas devem ser protegidas contra qualquer forma de abuso, violência, discriminação ou exploração”, explica a professora de Direito da Una Linha Verde, Natália Cardoso Marra.
Internação involuntária
A internação involuntária é hoje a exceção no tratamento da saúde mental e acontece mediante autorização judicial permitida em situações excepcionais como no caso de transtorno mental ou dependência química que tornem a pessoa sem a capacidade de discernimento e representando um risco para si ou para outros. “Para essa autorização, é necessário provar que os outros tratamentos extra-hospitalares não foram eficazes. É direito do paciente ser informado sobre os motivos da internação e poder se manifestar”.
Marra alerta para riscos de retrocessos jurídicos e sociais na política antimanicomial, como “o fortalecimento de modelos de tratamento que promovem a internação compulsória, em especial devido à privatização da saúde mental. Outro ponto é a falta de investimentos em CAPS e outros serviços de saúde mental que não fomentam as internações”.
Alternativas humanizadas
Para o professor Murilo Assis, do curso de Psicologia da Una Jataí, a luta antimanicomial é mais do que uma denúncia às práticas violentas dos antigos hospitais psiquiátricos: “Ela representa uma mudança de paradigma. A proposta é substituir o modelo excludente dos manicômios por políticas públicas de cuidado em liberdade, com foco na promoção da autonomia, da cidadania e do bem-estar integral das pessoas”, explica.
Assis também destaca o papel das práticas substitutivas que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como os CAPS, as residências terapêuticas, os núcleos de apoio à saúde da família e o acompanhamento domiciliar. “Essas estratégias promovem a reinserção social e fortalecem o vínculo das pessoas com a comunidade, rompendo com o isolamento e o estigma que por muito tempo marcaram o tratamento em saúde mental”, afirma.
A psicologia, segundo o professor, tem papel essencial nesse processo: “Seja nos CAPS, nas UBS ou em espaços comunitários, o psicólogo atua com escuta qualificada, acolhimento e psicoeducação, enxergando a pessoa para além do diagnóstico e promovendo o cuidado integral”, afirma. Ele também lembra que o preconceito ainda é uma barreira importante. “Décadas de exclusão institucionalizada deixaram marcas. A superação do estigma exige trabalho contínuo de sensibilização e educação em saúde”, afirma. Nathália Marra complementa que “há ainda um desafio em lidar com o aumento da criminalização e exclusão de pessoas com transtornos mentais”.
Garantia de direitos
Segundo a professora, os principais instrumentos legais de proteção aos direitos das pessoas em sofrimento psíquico são a própria Lei da Reforma Psiquiátrica, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. “O Ministério Público (MP), a Defensoria Pública e os conselhos de direitos (Conselhos de Saúde e os Conselhos Municipais de Direitos da Pessoa com Deficiência) são cruciais na fiscalização de instituições psiquiátricas”, finaliza.