Notas de Subsolo

Por Keity Pontes
Para que um livro seja considerado um clássico literário, é preciso que reúna algumas características: transcender seu tempo, manter a relevância de seu tema, servir de referência para novas obras, preservar a capacidade de gerar novas interpretações a cada leitura, entre outras. E, Notas de Subsolo, de Dostoiévski, cumpre todos esses requisitos.
Mas antes de falar da obra, é preciso falar do autor. Dostoiévski foi escritor, filósofo e jornalista russo, viveu entre 1821 e 1881 e ainda hoje é considerado um dos maiores pensadores e romancistas de todos os tempos. Autor de inúmeras obras-primas, como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamázov, ele se destacou pela profundidade de suas reflexões e pela diversidade de temas que abordou. Por isso, escolher apenas uma obra favorita desse autor é tarefa quase impossível. Ainda assim, posso afirmar que Notas de Subsolo está entre os cinco
melhores livros que já li.
Na obra, acompanhamos a história de um funcionário público, sem nome, que se considera injustiçado pela vida, pela sociedade e pelas pessoas ao seu redor. Em suas memórias, ele relata episódios do cotidiano repletos de ressentimento, frustrações e tentativas de vingança, sempre tentando despertar nos outros a mesma insatisfação que sente em relação à própria vida. Nessa busca, acaba se colocando em situações humilhantes e, quando pode, humilha aqueles que socialmente inferiores.
Publicado em 1864, Notas de Subsolo dialoga perfeitamente com o nosso tempo. Vivemos hoje a era do self: a necessidade constante de postar o que comemos, onde estamos, como nos sentimos, o que pensamos. É a era do narcisismo inflado, em que acreditamos que um story com uma indireta será capaz de atingir a pessoa certa e ainda provocar nela o mesmo sentimento que nos causou.
Muitas vezes, deixamos de viver para nós mesmos para viver para os outros; trocamos o real pelo click perfeito, pela postagem idealizada. Criamos a sensação de que o que não é visto por muitos simplesmente não é vivido.
O livro nos obriga a refletir: quanto da nossa energia, do nosso tempo e da nossa vida investimos na expectativa de causar algo no outro? Quanto fazemos por nós mesmos e quanto apenas para mostrar? E, o mais importante: até que ponto o outro realmente se importa com o que estamos fazendo?
Com um personagem sequer nomeado, Notas de Subsolo nos coloca diante de uma verdade dura e necessária: muitas vezes, vivemos mais para os outros do que para nós mesmos — por isso, ela é a indicação da semana do Entre Pontes, aqui no Notícias de Contagem. Afinal, se você não é apaixonado por literatura, é porque ainda não encontrou o livro certo, e estamos aqui para te ajudar nessa busca!
Até a próxima semana!