A Metamorfose

Por Keity Pontes
Vamos de mais um clássico?
Hoje o assunto é A Metamorfose, de Franz Kafka. Na obra, acompanhamos Gregor Samsa, um caixeiro-viajante do início do século XX que sustenta os pais e a irmã com o próprio trabalho. Tudo muda quando, em uma manhã qualquer, ele acorda transformado em um inseto gigantesco e repugnante. Seu primeiro pensamento, no entanto, não é sobre o corpo monstruoso que agora possui, mas
algo bem humano: “como vou justificar meu atraso no trabalho?”
A partir daí, seguimos o mergulho nas angústias de Samsa, suas tentativas de sobreviver e se adaptar a essa nova realidade, de compreender o corpo estranho em que habita. Ao mesmo tempo, vemos o espelho da sociedade em sua família e em seu chefe: a maneira como reagem, o quanto se afastam, e como a figura do provedor passa, pouco a pouco, a se tornar um peso, um fardo, um “outro”
dentro de casa.
Kafka, com sua ironia sombria, nos obriga a encarar uma questão que ainda hoje nos persegue: o que acontece quando deixamos de ser produtivos?
Vivemos em uma era em que o valor de alguém parece estar diretamente ligado à sua produtividade. Quanto mais produzimos, mais valiosos nos tornamos. Mas, e quando não podemos mais produzir? Por causa da idade, de uma doença, de um acidente ou simplesmente porque o mercado decide que não precisa mais de nós?
E mais: quem define o valor de cada trabalho? Um médico e um técnico de enfermagem são reconhecidos da mesma forma? O que determina o valor financeiro e social de cada profissão? Quando deixamos de ser úteis, o que sobra de nós?
Pensar em A Metamorfose é se permitir essa provocação: quem somos além daquilo que fazemos? Quantas vezes nos apresentamos usando a profissão como identidade, como se ela nos definisse por completo? Kafka nos desafia a olhar para dentro para o que resta quando o trabalho, os papéis sociais, as funções e as utilidades se esgotam. Quando ninguém mais precisa de nós, quem
somos nós?
Para encerrar, deixo duas perguntas: Quem permaneceria ao seu lado se, amanhã de manhã, você acordasse metamorfoseado em um inseto grotesco? E, ao contrário, ao lado de quem você ficaria se fosse essa pessoa a sofrer a
transformação?
“A Metamorfose” é mais que uma história sobre um homem que vira inseto: é uma reflexão sobre o valor humano para além da utilidade, um espelho incômodo e, ao mesmo tempo, necessário por isso, é a indicação da semana do Entre Pontes, aqui no Notícias de Contagem. Afinal, se você não é apaixonado por literatura, é porque ainda não encontrou o livro certo, e estamos aqui para te
ajudar nessa busca!
Até a próxima semana!