Estudo UFMG: rejeito de mineração muda processo vital da floresta e favorece espécies invasoras na bacia do Rio Doce

Estudo UFMG: rejeito de mineração muda processo vital da floresta e favorece espécies invasoras na bacia do Rio Doce

Pesquisadores destacam impacto sobre a ciclagem de nutrientes e sugerem estratégias de restauração para proteger espécies nativas

Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, os impactos ambientais ainda se manifestam de forma intensa e profunda na bacia do Rio Doce. Um estudo inédito, conduzido oito anos após o desastre, por pesquisadores da UFMG e de outras instituições, revela que os rejeitos de mineração alteraram profundamente a decomposição da matéria orgânica na floresta ciliar do rio, processo essencial para a saúde dos ecossistemas.

A decomposição é essencial para a vida porque transforma restos de plantas e animais em nutrientes que fertilizam o solo, sustentando o crescimento das plantas que alimentam todos os seres vivos. A interrupção deste ciclo natural, observada nas margens do Rio Doce, compromete a ciclagem de nutrientes e dificulta a recuperação da vegetação nativa, ameaçando o futuro do ecossistema.

Para investigar essas mudanças, o estudo Revelando as consequências ocultas dos rejeitos de mineração sobre os processos ecossistêmicos: a interrupção da decomposição de espécies nativas na bacia do Rio Doce, publicado pela conceituada revista Forest Ecology and Management, utilizou um método inovador. A pesquisa uniu o tradicional método Tea Bag Index (TBI) ao uso de folhas de espécies nativas do Rio Doce e da gramínea braquiária (espécie africana invasora), possibilitando comparar diferentes respostas à decomposição em áreas impactadas e áreas preservadas.

Os resultados revelaram que a decomposição das folhas de espécies nativas essenciais está severamente reduzida nas áreas afetadas pelo rejeito, comprometendo a fertilidade do solo e a saúde da floresta. Em contraste, a decomposição da braquiária foi acelerada nos mesmos locais, indicando que o novo ambiente criado pelo rejeito favorece o avanço desta planta invasora e agressiva. Segundo João Figueiredo, um dos autores do estudo e pesquisador da UFMG, “essa vantagem favorece a dominância da gramínea invasora em detrimento das espécies nativas, alterando a estrutura e a composição da vegetação local”. Esse desequilíbrio dificulta os esforços de restauração ecológica, pois a presença dominante da gramínea pode impedir o retorno das plantas nativas.

Colaboração científica robusta e abrangente

O estudo é fruto da colaboração entre 19 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais, incluindo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), University of Oxford (Reino Unido), Henan Agricultural University (China), University of Minnesota (EUA) e o Centro de Conhecimento em Biodiversidade (INCT/CNPq/MCTI). A pesquisa abrangeu cinco regiões da bacia do Rio Doce durante as estações chuvosa e seca de 2023, com 2.160 sachês de chá enterrados em 180 locais para medir a decomposição sob diferentes condições.

Além das taxas de decomposição, os pesquisadores analisaram propriedades físicas e químicas dos solos, elucidando como o rejeito afeta os processos ecológicos. Essas informações fundamentam ações de recuperação das matas ciliares e solos contaminados pelo rejeito, sendo fundamentais para a formulação de estratégias em cenários pós-mineração.

Solo alterado: motor da mudança ecológica

Além disso, o solo modificado pela deposição do rejeito reconfigura o “motor” da ciclagem de nutrientes, dando ampla vantagem às espécies invasoras e desbalanceando os processos naturais que promovem a biodiversidade e funcionamento das matas ao longo do Rio Doce. Para os pesquisadores, é fundamental que decisões sobre restauração considerem evidências científicas para garantir o retorno da biodiversidade e dos serviços ambientais essenciais à região.

Diante desse cenário, o estudo recomenda o uso do índice de decomposição adaptado com espécies nativas para monitoramento e recuperação das florestas. Sugere-se também a combinação de plantas com diferentes estratégias de decomposição, equilibrando a ciclagem de nutrientes e o carbono e controlando espécies invasoras que se beneficiam das mudanças no solo promovidas pela mineração.

Legenda da foto em destaque: Pesquisadores avaliam efeitos dos rejeitos de mineração sobre os processos ecossistêmicos / enviada sem crédito