Mulheres negras mineiras se mobilizam para marcha a Brasília

Participantes de audiência reforçam importância de segunda edição de mobilização nacional, que acontecerá em novembro com a expectativa de reunir mais de um milhão de manifestantes
“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. A frase, atribuída à filósofa e ativista negra norte-americana Angela Davis, resume bem o clima de mobilização para a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, que ocorrerá em Brasília (DF), em 25 de novembro de 2025, com o tema “Por reparação e bem viver”.
A mobilização ficou evidente nas dezenas de relatos feitos na tarde desta terça-feira (15/7/25) pelos participantes da audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A marcha é considerada um dos mais importantes atos políticos protagonizados por mulheres negras no Brasil. A primeira edição, realizada em 2015, reuniu aproximadamente 100 mil participantes. A expectativa agora é de ao menos um milhão, por isso a urgência da mobilização e garantia das condições necessárias para que Minas Gerais, até pela sua proximidade com o Distrito Federal, dê uma contribuição decisiva para o sucesso da iniciativa.
A audiência foi solicitada por requerimento da 1ª-vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT), por sua colega de partido, Andréia de Jesus, que conduziu a reunião, e pela presidenta da comissão, Ana Paula Siqueira (Rede).

Dep. Andréia de Jesus
A deputada Leninha lembrou sua origem no movimento negro do interior de Minas, onde, segundo relatos feitos na reunião, é mais forte a mobilização para participação da marcha.
“O fato de ser a primeira mulher negra a integrar a Mesa da Assembleia mostra que, depois de muito tempo, a gente está ocupando alguns espaços. Ainda assim enfrentamos muitas dificuldades”, afirmou a 1ª-vice-presidenta da ALMG.
A deputada Ana Paula Siqueira falou aos presentes por meio de um vídeo em que reforçou o compromisso do seu mandato com a luta pelos direitos das mulheres, sobretudo as negras, e novas perspectivas de futuro.
“O que eu quero de verdade é que toda mulher tenha direito de viver. E isso é muito mais do que sobreviver tendo em vista uma sociedade que tenta nos negar até isso, nos diminuir e nos invisibilizar”, destacou.
Entre as participantes da audiência estava a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lôbo, que manifestou apoio à iniciativa. “É fundamental falarmos disso em todos os espaços e oportunidades, sobretudo, na casa do povo”, enfatizou.
De acordo com a ministra, a maioria da população brasileira é de mulheres negras. Como reforçou, uma democracia autêntica e legítima precisa contemplar as maiorias, sem contudo se desvincular das minorias.
“Apesar disso, nossa representação na sociedade ocupa porção ínfima e inautêntica”, afirmou, acrescentando que, nesse sentido, mulheres negras representam grandes maiorias numéricas minorizadas em relação à conquista de direitos básicos.
A ministra do TSE, Edilene Lôbo, e a 1ª-vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha, reforçaram a importância da mobilização pelo sucesso da marcha Foto: Daniel Protzner
Depoimentos trazem relatos de luta em meio a muitas dificuldades
A trajetória de luta constante como mulher negra e a necessidade de mobilização permanente foi a tônica nas dezenas de relatos feitos ao longo da audiência da Comissão da Mulher, alguns carregados de emoção. Nesse sentido, a marcha a Brasília seria uma oportunidade única de se fazer ouvir pela sociedade e, sobretudo, por quem ocupa espaços de poder.
“A marcha é o elo entre o Direito e a Justiça pois é importante ser vigilante 100% do tempo. Só nós sabemos que o marcador racial influi na modificação, suspensão e até exclusão dos nossos direitos”, avaliou a advogada Cibele Oliveira Santos Queiroz, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/MG.
A conselheira de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável do governo federal, Benilda Regina de Paiva Brito, lamentou que, mesmo após 46 anos de militância no movimento negro, o Brasil ainda esteja longe de cumprir as metas internacionais de igualdade racial. Ela também alertou para novas frentes de luta, como o racismo ambiental e algorítmico, que reforçam a exclusão.
“Quantas décadas mais precisaremos? É chato ser sempre notícia a primeira mulher negra em algum lugar importante”, exemplificou.
A coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), Makota Celinha, disse que o sucesso da marcha a Brasília não é apenas responsabilidade das mulheres pretas, mas de todos que se dizem antirracistas e, sobretudo, daqueles que ocupam espaços de poder.
Mobilização seria maior pelo interior do Estado
O Coletivo Roda das Pretas, com representações por todo o Estado, tem se destacado na mobilização para a marcha em cidades do interior, segundo sua representante Elisabeth Silva de Oliveira. Ela também é integrante da Articulação de Mulheres Negras de Minas Gerais.
Comitês no Triangulo, Zona da Mata, Vales do Jequitinhonha/Mucuri, Alto Paranaíba, Centro-Oeste e Vale do Rio Doce seriam os mais atuantes. O desafio é aumentar a mobilização em Belo Horizonte e Região Metropolitana. “Ainda precisamos de mais apoio político e estrutural para levar o maior número possível de mulheres a Brasília”, acrescentou.
A professora de Jornalismo Etiene Pereira Martins Cardoso, do Movimento das Mulheres Negras, participou da primeira edição da marcha e estava entre as pessoas que foram recebidas pela então presidenta Dilma Rousseff. Ela destacou a relevância de se refletir em torno do lema da marcha.
“Querem fazer a gente acreditar que ter acesso a direito básico é um privilegio, mas não podemos aceitar isso. Marchar é um ato de amor a negritude. Por isso precisamos encher as ruas de Brasília”, conclamou.
Na audiência, a coordenadora municipal do Movimento Negro Unificado (MMU) e conselheira municipal da Promoção da Igualdade Racial de BH, Simone Esterlina de Almeida Miranda, entregou diploma com homenagem à deputada Andréia de Jesus em reconhecimento à luta no enfrentamento ao racismo e pela valorização da população negra.