ALMG: Mudanças no Conselho de Recursos Hídricos são criticadas

Comissão ouve ambientalistas, que condenam caráter autoritário de medidas e pedem que ALMG elabore PL sobre o tema

Decreto 48.209, baixado pelo Governo de Minas em 2020, que reestruturou o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), foi criticado por quase todos os participantes de reunião da Comissão de Administração Pública. Com exceção da representante do Governo de Minas, os ambientalistas condenaram, nesta terça-feira (23/11/21), o caráter autoritário da norma, que retira atribuições do plenário do CERH, considerando-a um retrocesso.

Solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), a audiência pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) buscou esclarecimentos sobre as alterações promovidas pelo decreto. Vários participantes lamentaram a ausência na reunião dos titulares da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

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Decreto estaria em desacordo com diretriz participativa

Representando o Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, Marcus Vinícius Polignano disse que ele e todos os membros dos comitês ficaram surpresos com a decretação da medida em junho de 2020. “O decreto não foi discutido em nenhum momento com o atual conselho e não houve consulta aos comitês ou à Assembleia Legislativa. A medida é legal? Sim, mas não é legitima nem participativa”, condenou. 

De acordo com Polignano, a Lei Federal 9433/97, que traz a Política Nacional de Recursos Hídricos, tem como uma de suas premissas a necessidade de que as decisões no setor sejam pactuadas. “Senão, fica um conselho que agrada ao rei, e não um órgão participativo”, considerou. 

Também coordenador do Projeto Manuelzão, no CBH Velhas, Polignano elencou aspectos do Decreto 48.209 que estariam em desacordo com essa diretriz participativa. O CERH passa a se subordinar à estrutura administrativa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, a qual necessariamente presidirá o conselho. Além disso, esse presidente poderá nomear todos os membros do conselho e das câmaras técnicas, com base numa lista tríplice encaminhada pelas entidades. Antes, elas mesmas faziam a escolha do nome. 

PL poderia normatizar CERH

Na mesma toada, Antônio Giacomini Ribeiro, presidente do CBH dos Afluentes Mineiros do Baixo Paranaíba, considerou que o CERH, antes do decreto, já apresentava problemas que precisavam ser resolvidos, mas a normativa não fez isso: “Em vez de buscar o aperfeiçoamento do que entendemos como uma boa gestão das águas, independente e participativa, o decreto piorou a situação”.

Ele exemplificou com a medida contida no decreto que indicou o Igam como único responsável pela escolha da pauta das reuniões do conselho. “Antes, já havia uma dificuldade do conselho ser independente, pois toda pauta vinha pronta do Igam. E infelizmente, essa distorção foi consolidada pelo decreto”.

É um atraso esse decreto antidemocrático, pois vai fazer com que o conselho se torne um carimbador de processos”, criticou ele, acrescentando que a medida retira do cidadão o direito de propor uma pauta relativa ao tema. Como forma de reverter a situação, Giacomini propôs que a Assembleia elabore um projeto de lei normatizando o CERH sem as distorções trazidas no decreto.

Câmara Normativa

O jornalista Gustavo Tostes Gazzinelli, do Instituto Diadorim, ressalvou que a desorganização do conselho não começou no atual governo. Mas apontou que o Igam, desde que passou a encaminhar “propostas absurdas” para o CERH e este não as deixou passar, começou a gerenciar por meio de portarias. “O conselho já é muito desrespeitado pelas gestões da Semad e do Igam, que querem afastar a ideia de uma política participativa”, refletiu.

Em sua opinião, a Semad pode estar em conluio com o Governo Federal para desconstruir a atual política de recursos hídricos, o que estaria refletido no decreto baixado pelo Estado. Gazinelli criticou outros pontos da norma que apontam nesse sentido, como a perda de atribuições do Plenário do conselho.

Ele cita como exemplo os instrumentos de gestão (que tratam de cobrança da água, enquadramento das águas e outorgas), os quais passam a ser de responsabilidade exclusiva da Câmara Normativa e Recursal. Por sua vez, essa câmara teve sua composição ampliada para oito membros, sendo que todos passam a ser indicados pelo presidente do CERH.

Contraditório

Sylvio Luiz Andreozzi, conselheiro do CBH do Rio Araguari, criticou medida contida no artigo 21 do decreto. O dispositivo prevê que os representantes do Estado no CERH poderão, por decisão unânime, suscitar dúvidas sobre decisão tomada no conselho. “Qual a lógica de se obrigar que se justifique o voto contrário a uma posição do Estado?”, questionou.

Ainda na avaliação de Andreozzi, também conselheiro do CERH Pela Universidade Federal de Uberlândia, vários preceitos do decreto atingem a capacidade de anteposição àquilo que o Estado propõe. “Todas as alterações se contrapõem à ideia da possibilidade de oposição. Essa administração tem grande dificuldade de trabalhar com o contraditório”, refletiu.

Polícia poderá ser acionada para fazer cumprir medidas aprovadas

Assim como alguns dos colegas, Wilson Guilherme Acácio, presidente do CBH dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, condenou a previsão de que a Secretaria Executiva do CERH poderá pedir à polícia que garanta o cumprimento de medidas aprovadas naquela instância. “Não entendo por que e pra que essa medida. É preciso fortalecer o conselho, sem afastar os segmentos da sociedade que cobram do Estado. Os governos passam, o Estado fica”, concluiu.

Canetada

Já Altino Rodrigues Neto, vice-presidente do CBH do Entorno da Represa de Três Marias, opinou que, com o decreto, os atuais conselheiros foram cerceados em seu direito de manifestação. “Alcançamos vários avanços até hoje na gestão de recursos hídricos. Mas essa ‘canetada’ joga por terra todos eles”, apontou ele, defendendo que a ALMG elabore um projeto para corrigir esses erros.

Sobre a elaboração do projeto, Beatriz Cerqueira ponderou que a Casa poderia, sim, apresentar a proposição. Mas julgou que seria necessário antes a discussão do conteúdo da proposta com os interessados. “Pela dimensão do assunto, se isso for feito de maneira bem coletiva, ganhará muita força”, avaliou. Além disso, a deputada informou que todos os encaminhamentos apresentados na audiência seriam transformados em requerimentos, a serem aprovados em ocasião posterior.

Desrespeito

Ela ainda se comprometeu a levar as inquietações trazidas pelos convidados para serem discutidas no Assembleia Fiscaliza, que acontece entre 29/11 e 10/12, na ALMG. “Vou levar essas demandas à secretária de Meio Ambiente. E se os questionamentos não forem satisfatoriamente respondidos, vou entrar com requerimento de convocação”, anunciou. Ela também considerou um desrespeito com o Legislativo a ausência da secretária ou mesmo do presidente do Igam na audiência.

Governo

Única representante do governo na reunião, Clara Araújo Moreira, coordenadora de Programas, Projetos e Pesquisa em Recursos Hídricos do Igam, afirmou apenas que levaria ao órgão todos os encaminhamentos trazidos durante a audiência. 

Legenda da foto: Marcus Polignano, Beatriz Cerqueira, Altino Rodrigues e Wilson Acacio durante a audiência – Foto: Sarah Torres

Fonte: Mudanças no Conselho de Recursos Hídricos são criticadas – Assembleia de Minas (almg.gov.br)