Em sua oitava edição na UFMG, Novembro Negro discute epistemes, estéticas e subjetividades
					Com mais de 170 atividades, temática e programação foram construídas com participação da comunidade acadêmica
Durante todo o mês de novembro, a UFMG sedia uma série de atividades acadêmicas e culturais para celebrar o Mês da Consciência Negra, com reflexões sobre o racismo, o direito à diferença e a valorização das raízes afro-indígenas. Trata-se do Novembro Negro, evento que, desde 2018, possibilita que entidades e coletividades da Universidade unam esforços para promover o diálogo sobre as relações e desigualdades que afetam grupos de pessoas negras e indígenas. A abertura da programação ocorre nesta segunda-feira, 3, às 18h30, no auditório da Reitoria, no campus Pampulha.
Estudantes, professores, servidores técnico-administrativos e o público externo propuseram iniciativas para compor a oitava edição do evento, que tem como tema Epistemes, estéticas e subjetividades negras. A escolha foi definida mediante consulta pública à comunidade universitária, reafirmando o compromisso social da UFMG em promover a defesa da universidade pública inclusiva e antirracista, por meio de espaços para as ações afirmativas no ensino superior e em suas conexões com a sociedade.
O evento tem início com a conferência Subjetividades negras, entre epistemes e estéticas, que será ministrada pelo professor Wanderson Flor do Nascimento, do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). Wanderson leciona filosofia africana e afro-brasileira, dedicando seus estudos às tradições brasileiras de matrizes africanas (com ênfase nos candomblés), ensino de filosofia, relações raciais e de gênero, questões de subjetividade/subjetivação e bioética.
A pró-reitora de assuntos estudantis da UFMG, Licínia Maria Correa, conta que, desde 2018, quando ocorreu a primeira edição do Novembro Negro, há um movimento crescente de territorialização negra auto-organizada na Universidade. Segundo ela, a UFMG atua na construção desse movimento dentro da comunidade universitária. “O movimento negro sempre esteve presente no espaço acadêmico, e esta é uma presença que se afirma nas dimensões do intelecto, do corpo e do espírito. Ocupar a universidade é fundamental porque este é um reduto marcado pela branquitude e utilizado para legitimar o racismo, que acaba sendo reafirmado na ciência e na produção do conhecimento científico”, explica.
Licínia acrescenta que o espaço da universidade, dessa forma, acabou se apropriando de conhecimentos produzidos por povos africanos em todas as áreas, seja nas ciências exatas, humanas, sociais, ou nas áreas da saúde. “Assim, essa apropriação dos saberes e dos conhecimentos nunca foi reconhecida. Então, o Novembro Negro é uma forma de o negro estar dentro de lugares que, muitas vezes, deslegitimaram a sua presença.”
Quilombos de ontem e de hoje
O Novembro Negro é uma organização coletiva que surgiu da mobilização de vários grupos dentro da Universidade. Licínia conta que o evento é constituído por ativistas e militantes “interessados em mostrar que a UFMG é um lugar também de presença negra, é um lugar para garantir e para legitimar essa presença.”
A pró-reitora acrescenta que, a partir do momento em que as instituições de ensino são ambientes de trabalho, de produção de conhecimento e de circulação de saberes, um evento como o Novembro Negro é capaz de afirmar a identidade étnica e racial, além do modo de ser e de existir do povo negro. “Cada uma das pessoas que é envolvida no Novembro Negro vem de várias experiências de movimento de vivência da negritude, sejam experiências acadêmicas, de terreiro, de mobilização social ou de mobilização política. Por isso temos uma trajetória de aquilombamento, constituída por nossas várias inserções sociais e como um espaço que afirma uma identidade que precisa ser enxergada e visibilizada.”
A questão dos quilombos retorna à fala da pró-reitora quando ela relaciona o mês escolhido para que a Universidade celebre a negritude. No dia 20 de novembro é celebrado o feriado nacional da Consciência Negra. Nesta data, morreu Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, em 1695. A data foi escolhida para homenagear Zumbi como um grande símbolo da resistência negra contra a escravidão e para promover a reflexão sobre o racismo e a igualdade racial.
“O mês de novembro marca uma das tentativas de destruição dos nossos processos de resistência, que foi a tentativa de acabar com os nossos quilombos. O quilombo dos Palmares mostrou para a sociedade brasileira, para a branquitude no Brasil, que nós éramos capazes de constituir uma sociedade. Pode ser uma sociedade em outros moldes, em outras formas de organização, mas com muito potencial e com muita capacidade. Então o processo de aquilombamento ainda ocorre. É como se hoje estivéssemos aqui para construir o Quilombo da UFMG.”
Atividades variadas
Durante todo o mês de novembro, em vários espaços da Universidade, o Novembro Negro contará com mais de 170 atividades, como oficinas, contações de histórias, palestras, conferências, debates, apresentações artísticas e encontros. Licínia aponta que as atividades remetem às tradições e à resistência negras. Uma das ações destacadas pela pró-reitora de assuntos estudantis é o Café Afro, que ocorre na segunda-feira, 3, às 17h30, antes da conferência do professor Wanderson Flor do Nascimento. “A comida sempre foi uma forma de subsistência, pois ela nos organiza, nos dá, nos conecta. Então o Café Afro é mais uma maneira de mostrar a nossa força”, diz.
A pró-reitora também destaca o fato de que, nesta edição, muitas atividades do Novembro Negro ocorrem fora das dependências da UFMG e são organizadas em parcerias com outros órgão e instituições. Dentre essas atividades, Licínia cita o II Seminário Internacional Pró-Reparações – um projeto de nação: diaspórico, popular e panafricanista, que ocorre de 10 a 15 de novembro. O evento tem a participação da UFMG e vai debater e articular a construção coletiva de políticas reparatórias para os povos negros e indígenas do Brasil e da diáspora africana. Haverá painéis temáticos, com participação de autoridades internacionais, lideranças de movimentos sociais, parlamentares negras e negros, ativistas da diáspora e do continente africano, artistas e intelectuais.
“Vai ser um fórum internacional com a presença de pessoas de vários lugares do mundo e de várias diásporas africanas, porque hoje a pauta da reparação circula mundialmente. Então é interessante que as atividades do Novembro Negro não se restrinjam aos espaços da UFMG e não sejam todas organizadas por nós.” A programação completa do Novembro Negro está disponível no hotsite do evento.
Histórico do Novembro Negro
Realizado na UFMG desde 2018, o evento é feito a partir de propostas de atividades diversificadas, encaminhadas e realizadas pela comunidade universitária e por parceiros externos. A primeira edição do Novembro Negro, em 2018, teve o tema Reflexões e práticas sobre ser negro e objetivava a reflexão sobre a presença da população negra na sociedade e na Universidade. Em 2019, o evento girou em torno do tema Aquilombar-se em tempos de luta, convidando a comunidade a pensar sobre as intersecções e laços que transpassam a população negra e a necessidade de união de forças para o enfrentamento ao racismo.
Já em 2020, o mote do Novembro Negro foi Orgulho de ser: enegrecer para renascer. Nessa edição, as atividades destacaram a autoestima e o fortalecimento da identidade racial negra, bem como a reafirmação de pertencimento em diversos espaços, principalmente na UFMG. No ano de 2021, a temática escolhida foi Corpos e vozes que se afirmam. Nesse ano, buscou-se refletir acerca da importância de consolidar e ampliar ações afirmativas de acesso e permanência, visibilizando a presença de pessoas negras na universidade.
Permanecer para Avançar foi a proposição em 2022, que convidou, mais uma vez, as pessoas a avaliarem a permanência negra na Universidade. Em 2023, foram relembrados os negros do passado que resistiram ao racismo estrutural, por meio da temática Ancestralidade e Coletividade: aquilombar para permanecer.
Finalmente, em 2024, com a temática A luta antirracista na UFMG, o Novembro Negro evidenciou os avanços alcançados e refletiu sobre os desafios persistentes no enfrentamento ao racismo em suas múltiplas dimensões – estrutural, institucional, epistemológica, entre outras. Foi também nesse ano que a Universidade lançou o seu Banco de Fontes Negras, iniciativa do Centro de Comunicação da UFMG (Cedecom), órgão auxiliar da Reitoria.

