Vítimas de violência doméstica encontram apoio e estrutura do Estado

Vítimas de violência doméstica encontram apoio e estrutura do Estado
Espaços como a Casa da Mulher Mineira, da Polícia Civil, trabalham para disponibilizar proteção e ajudar no resgate da autoestima e da esperança

A necessidade de isolamento social em função da pandemia resultou em aumento significativo de denúncias de violência doméstica no país. Em Minas Gerais, mulheres têm podido contar com serviços especializados não somente para denunciar e solicitar medida protetiva contra o agressor, como também para receber apoio e superar o trauma. Em equipamentos disponibilizados pelo Governo de Minas Gerais, vítimas de violência doméstica e familiar recebem escuta, carinho, atenção. Seja por meio de atendimento psicológico, seja pela disponibilidade de um espaço para que as crianças brinquem enquanto a mãe é atendida, elas encontram suporte para buscar esperança e superação.Inaugurada em Belo Horizonte há pouco menos de três meses, a Casa da Mulher Mineira é uma nova unidade da Polícia Civil que tem o objetivo de atender ocorrências de demanda espontânea (quando não há flagrante) das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Localizada à Avenida Augusto de Lima, 1.845, no Barro Preto, o espaço garante acolhimento humanizado e célere.Em pouco mais de dois meses de funcionamento, mais de 500 mulheres foram atendidas na casa e cerca de 450 medidas protetivas foram solicitadas.

Quando decidiu se afastar do marido, com quem vivia há três anos e meio e tem uma filha de 1, Andreia Vasquez*, 31 anos, com doutorado em andamento, foi orientada em uma delegacia comum a procurar a Casa da Mulher Mineira. “Fiquei emocionada lá. Além de resolver a questão da medida protetiva e da escolta para que possa voltar em casa e fazer as malas, me senti fortalecida. A estrutura lembra a de uma casa, assistimos vídeos que reafirmam nossa valorização – porque a vítima de violência se sente extremamente fragilizada – e há, até, o Espaço Reviver, uma sala em que podemos escolher vestuário e calçados, doados por outras mulheres. Isso é muito importante porque saí de casa fugida, com a roupa do corpo”, detalha.

Acolhida na casa de um irmão, Andreia, que sofreu violência física e ameaças de morte do ex-marido, retornou à Casa da Mulher Mineira no dia seguinte. “Senti que não estamos sozinhas. Mulher que sofre violência fica deprimida, mas pude perceber que a casa é uma forma de abraçar, de dar carinho às mulheres. Todos aqui falaram para eu ter coragem e os policiais até indicaram terapia, disseram que ninguém precisa viver assim. Daqui vou para o fórum, acelerar o processo de guarda da minha filha”.Estrutura

Chefe do Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à Família, a delegada Carolina Bechelany reforça que o equipamento lida com áreas sensíveis. “Existe toda uma cultura patriarcal e machista na nossa sociedade. Então, trabalhamos para oferecer mais que a investigação. Procuramos, por meio de diversas ações, levar conhecimento a essas mulheres. Usamos cartilhas, vídeos, campanhas, trabalho em rede, porque juntos somos muito mais fortes”.A delegada frisa que a demanda da Casa das Mulheres Mineiras também é social, e passa por instruir vítimas ou potenciais vítimas.Outra realidade, segundo Carolina, é o fato de a violência contra a mulher não ter nicho, segmento ou classe social específica. “Muitas mulheres não tomam atitude porque se sentem envergonhadas. Tanto que mais de 90% das vítimas de feminicídio não tinham nenhuma medida protetiva. Quantos homens têm perfil machista e se acham proprietários da mulher? Precisamos lembrar ainda que há vários tipos de violência, inclusive a psicológica. E isso não ocorre apenas em lares mais simples”, afirma. A Casa da Mulher Mineira tem 12 salas planejadas para o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Lá, elas podem solicitar Medidas Protetivas de Urgência, acompanhamento até a residência para retirada de pertences em segurança (roupas, documentos e medicamentos), receber a guia de exame de corpo de delito, realizar a representação criminal para a devida responsabilização do agressor, além de ser encaminhada para casas abrigo, para serviços de atendimento psicossocial e para orientação jurídica na Defensoria Pública. O ambiente favorece a privacidade e a escuta qualificada durante atendimento.

Interior

Por enquanto, a Casa da Mulher Mineira funciona apenas em Belo Horizonte. Mas a vítima de violência doméstica ou familiar residente no interior pode buscar ajuda por meio do Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna). A ferramenta, vinculada ao Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação em Direitos Humanos (Sima-Mulher) do Governo de Minas, registra casos de violação e fornece mecanismos para promoção do atendimento à vítima em rede.

O equipamento, sediado em BH, também atua junto aos municípios por meio de orientações, supervisão de equipes técnicas, informações sobre abrigo e acesso a demais direitos das vítimas de violência. Em 2022, já foram realizados 1.025 acompanhamentos para 66 mulheres.

“Hoje, a pauta das mulheres em situação de violência é de grande interesse da sociedade. Um pouco disso é devido à pandemia que evidenciou de forma trágica a violência contra as mulheres por meio de inúmeras reportagens, artigos e dados oficiais. Há um lado bom nisso tudo, pois podemos fortalecer cada vez mais as políticas de direitos humanos voltadas para as mulheres”, detalha a gerente do Cerna, Cláudia Natividade.

Ainda segundo a gerente, há, neste cenário, mais atenção à proteção e fortalecimento da mulher mineira. “Podemos dizer que os municípios de Minas Gerais buscam se organizar de forma mais efetiva para promover os direitos de mulheres em situação de violência. Diariamente, respondo a diversas equipes e gestoras do interior que buscam informações sobre como manejar um caso específico ou mesmo como compor equipes especializadas para o atendimento desse casos”.

Acaba de receber alta do tratamento realizado no Cerna a maquiadora e designer de sobrancelhas Clara Ferrarezi, 24 anos. “Quando me casei, aos 19 anos, grávida, o pai dos meus filhos já era muito agressivo. Com o tempo, a situação piorou. Ele dizia que eu não seria nada sem ele, diversas vezes chegou a me prender em casa e a tomar o meu celular para que eu não pudesse pedir socorro”.

Ela conta que só decidiu encerrar a relação abusiva quando o então companheiro teve uma reação extremamente agressiva após uma discussão. “Ele me arrastou pelos cabelos por toda a casa, foi uma explosão de violência”. Ali, a mulher decidiu pedir a medida protetiva e foi encaminhada ao Cerna. “Conheci a Luci, psicóloga que me acompanhou durante quase um ano. Ela me ajudou a perceber as estratégias de manipulação dele, a enxergar que havia uma saída, que sou uma mulher livre”, revela.

Doações

Funcionando desde junho, o Espaço Reviver da Casa da Mulher Mineira disponibiliza peças de vestuário, sapatos, material de higiene pessoal e outros objetos a mulheres que, por conta da violência, perderam ou tiveram, de alguma forma, os bens inutilizados.

A iniciativa também tem o objetivo de suprir algumas necessidades daquelas vítimas que precisaram abandonar seus lares às pressas, apenas com as roupas do corpo. Os itens arrecadados são criteriosamente selecionados e organizados em araras de forma a facilitar a escolha por tamanho e estilo. Além de vestimentas, a ideia é promover ali dias de beleza, com cortes de cabelo, sobrancelhas e maquiagem.

O espaço recebe doações de vestuário, calçados, acessórios, itens de higiene pessoal e fraldas infantis. Também é possível doar livros e brinquedos.

Para doar:

Horário: De segunda a sexta-feira, das 7h às 19h

Local: Avenida Augusto de Lima, 1.845, Barro Preto

Se o volume da doação for acima de 500l, é possível agendar pelo telefone 3248-2109 para que a Polícia Civil busque o material.

Onde buscar ajuda:

Casa da Mulher Mineira

Local: Avenida Augusto de Lima, 1.845, Barro Preto

Horário de funcionamento: das 8h30 às 18h30

O que oferece: A PCMG disponibiliza ainda às mulheres vítimas de violência a possibilidade de registro de lesão corporal, vias de fato, ameaça e descumprimento de medidas protetivas, além da solicitação das medidas protetivas, por meio da delegacia virtual. Também há o programa Chame a Frida, em algumas cidades do interior, o programa oferece uma atendente virtual por meio de aplicativo de mensagem capaz de suprir os primeiros atendimentos e inclusive acionar a polícia para casos urgentes.

Cerna

O primeiro atendimento é feito por agendamento direto ao serviço, por meio dos telefones (31) 3270-3235 ou (31) 3270-3296.

O que oferece: atende mulheres em situação de violência doméstica e familiar baseada no gênero, oferecendo atendimento psico-jurídico-social individual e/ou em grupo. Os atendimentos têm como objetivo dar condições à mulher para que rompa com a situação de violência vivida, resgate sua autonomia, autodeterminação e autoestima.

Cada mulher atendida tem um profissional de referência que é o responsável pelo seu Plano de Acompanhamento Pessoal (PAP), documento institucional que descreve a forma de atendimento a ser realizado, define objetivos, planeja e avalia estratégias de cuidado de forma multiprofissional

Veja: Manual Básico de Enfrentamento à violência Doméstica e Familiar contra a mulher disponível no site da PCMG: www.policiacivil.mg.gov.br/site-pc/media/get/documento/2640406 Números

Segundo a Polícia Civil, 55.908 casos de violência doméstica foram registrados em Minas Gerais somente nos cinco primeiros meses deste ano. No mesmo período, houve 55 feminicídios consumados no estado.*Nome fictício

Crédito das imagem: Dirceu Aurélio / Imprensa MG